A falta de sentido estratégico e de condições políticas levam a uma conclusão dramática: palavras não têm faltado, mas as reformas ficam para mais tarde. Já teremos naufragado entretanto?
O filme da economia portuguesa também pode ser de fazer chorar as pedras da calçada, mas os recentes maus episódios na evolução trimestral de variáveis como o desemprego, a confiança dos consumidores ou o investimento não têm grande importância neste enredo.
Os gritos de “falhanço” e “catástrofe” enquadram-se mais na oposição superficial a que já estamos habituados. Nem estas más notícias, nem as precipitadas “reposições”, nem a instabilidade no Brasil ou Angola são suficientes para se esperar uma despistagem a curto prazo das finanças públicas ou da economia.
Na prática, estes assombros apenas acentuam o já elevado nível de ruído e desviam as atenções do problema principal: a falta de condições aparentes para que o crescimento nos próximos anos seja diferente do que na década pré-troika.
É isto que preocupa os investidores (atuais e potenciais), que “têm uma visão da política que não é partidária” mas dão, importância, isso sim, à existência de “entendimentos”: provavelmente não aqueles em que pensaria Eduardo Catroga, mas sim os conducentes à implementação de medidas estruturais de reforma. Medidas em diversas áreas que permitam responder aos bloqueios ao investimento, à reafectação de recursos para o setor transacionável, à inovação, e assim perspetivar um aumento do crescimento potencial.
Verdadeiramente trágico, pois, é que a atual maioria não seja capaz de gerar compromissos para o desenho e implementação de reformas efetivas. Mais: assume-se incompatível com a geração de “geometrias variáveis” para o fazer. Este “caminho que se faz caminhando” pode ser muito estimulante para o comentário político e inovador no nosso contexto democrático, mas tem reforçado o caráter imediatista da formulação de políticas.
António Costa, o Governo e seus apoiantes têm conseguido, com bastante sucesso, esvaziar esta questão. O facto de o Programa de Estabilidade e o Programa Nacional de Reformas não irem a votos passou totalmente despercebido, quando se trata da maior evidência deste problema fundamental. Quem compara a formação deste Governo ao maravilhoso mundo do Borgen terá certamente perdido os episódios em que, por exemplo, todos os partidos (dentro e fora do Governo) passaram um fim-de-semana no campo, em retiro, a negociar uma reforma da segurança social.
Lembrar tudo isto, um mês após a publicação do Programa Nacional de Reformas (PNR), é lembrar a oportunidade perdida que este parece representar.
Antes de mais, é preciso insistir que as “reformas estruturais” não têm necessariamente de se traduzir em medidas “liberalizadoras” ou “privatizadoras”. Têm, sim, de constituir programas coerentes, bem desenhados, com uma estratégia clara e bem definida, com condições para a sua implementação plurianual.
Ora, dentro desta definição cabem, para um mesmo problema, soluções diferentes que, do ponto de vista ideológico e do seu impacto social, podem agradar mais a um ou a outro lado da barricada. Ou, idealmente, resultar de um compromisso entre ambos. Os bloqueios da economia portuguesa, parte dos quais até é bem identificada no PNR, necessitam de respostas deste tipo.
É também bom lembrar que o PNR foi uma inovação recente na governação do euro. Um passo na direção certa, mas o processo não é suficientemente credível: não há mecanismos sérios de feedback nem de verificação ex post da execução dos programas. O que aconteceu ao PNR 2015?
Os PNR são elaborados em resposta às recomendações anuais do Conselho e depois avaliadas pela Comissão, é certo. Mas nada disto está ancorado em medidas concretas nem em métricas para avaliação da sua implementação.
Na realidade, o PNR deveria ser um proforma: devia decorrer naturalmente do processo de discussão e formulação de políticas. Qualquer Governo deve iniciar funções já com uma ideia sólida dos problemas, dos grandes objetivos e da forma de os alcançar, mas basta pegar nos programas eleitorais e no Programa de Governo para perceber que o trabalho de casa continua a não ser feito seriamente (apesar do positivo “programa económico” do PS).
Nem tudo é mau: este Governo foi bastante mais inteligente no aproveitamento que fez do PNR ao nível do marketing político. Basta comparar o seu impacto mediático no ano passado e agora. Deu-lhe uma imagem própria, com slogan e tudo, e tem-lhe sido dado destaque na dialética governamental: temos visto o Governo a referir-se ao PNR para explicar as suas opções em diversas áreas.
Isto foi bom para o Governo, claro, mas também para o debate público, que assim foi estimulado e as iniciativas de política um pouco mais bem enquadradas. Este tipo de iniciativa deve ser aproveitado pela sociedade civil para se envolver mais. No Institute of Public Policy estamos a lançar alguns contributos, orientados pelos diversos “pilares” do PNR. Inevitavelmente, são mais sobre “o que não está lá”.
A falta de sentido estratégico e de condições políticas levam a uma conclusão inelutável e, essa sim, dramática: palavras não têm faltado, mas as reformas ficam para mais tarde. Já teremos, como no filme, naufragado entretanto?
Este artigo foi originalmente publicado no jornal online Observador.
(a opinião aqui expressa vincula somente o autor)
Luís Teles Morais
Research Fellow