O título invoca a fina ironia do título de um dos livros de economia mais interessantes publicados nos últimos anos (Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff em 2009). Com esta interrogação sobre avisos, sinais e destino, quero chamar a atenção para a sensível interpretação política dos recentes números do desempenho do PIB. Será a ocasião mais adequada para louvar a ressurreição económica erguendo ao alto os números divulgados pelo INE? De acordo com os dados publicados, a economia portuguesa cresceu 2,8% no primeiro trimestre de 2017, contando com o contributo da procura externa líquida (PEL).
A dinâmica económica evidenciada pelo INE é positiva e assinalável. Mas coloca um problema à dinâmica política. A oposição não se sentirá confortável com estes dados. Não por desejar o mal coletivo, mas por se ver encurralada num beco argumentativo. E isso pode não ser bom. Quando o governo democrático se restringe ao critério do desempenho económico, são os números quem governa. E isto, entenda-se, não é uma crítica à direita portuguesa que atualmente se encontra na oposição. É sim um corolário lógico do nosso sistema político, em que a ditadura dos números é transversal a todos os partidos, quando colocados no espaço da oposição (ou é intencional?). Os partidos tendem a representar o sucesso ou insucesso das políticas, a partir de um critério de objetividade, com base numa simplificação a que chamam “economia” e no modo como esta se comporta. Mas a economia é mais caracterizada por um princípio de incerteza de Heisenberg do que por uma soma vetorial newtoniana. Com isto quero apenas destacar o caráter instrumental dos números para um juízo político. Tanto antes — durante o Governo PSD-CDS — como agora — no âmbito da “geringonça”.
Não quero, contudo, afirmar que os números do desempenho do PIB não têm um papel significativo na leitura da performance económica. Nem dizer que os dados do PIB não têm utilidade. Claro que sim. Contudo, se quisermos utilizar linguagem económica, os seus efeitos são exacerbados por existir no sistema político uma utilidade marginal com rendimentos crescentes à escala, na manutenção do poder governativo, sempre que são úteis os dados do PIB. Assim, para não tomarmos decisões demasiado determinadas pelo curto prazo, importa ser cuidadoso na interpretação dos dados do crescimento.
O que dizer então? Haverá um efeito real das políticas do atual Governo ou estes números são um efeito retardado, que só agora se faz sentir, da purga austeritária implementada pelo Governo de Passos? Se é verdade que António Costa sempre defendeu um caminho de desenvolvimento económico assente na procura interna, Passos Coelho, ao defender a austeridade, sustentava uma necessidade acrescida de aposta no mercado externo. E quem tem (teve) afinal razão, segundo os números? Para sermos rigorosos, diria que ambos tiveram (têm) razão. Se é verdade que a PEL neste primeiro trimestre registou um saldo positivo, também é igualmente verdade que as políticas de reposição de rendimentos, o equilíbrio das contas públicas e a evolução dos indicadores de confiança em muito têm contribuído para a sustentabilidade do crescimento verificado agora, em tempos de governação de Costa.
Sou da opinião de que, para além da competência deste Governo, o estado de graça do crescimento económico português goza de um efeito que se tornou estrutural durante o Governo de Passos. Com as restrições orçamentais impostas em tempos de programa de austeridade, com uma consequente contração da procura interna, os empresários portugueses foram obrigados a aumentar o grau de internacionalização, de modo a fazer face a uma procura interna reduzida. Se as empresas portuguesas não se tivessem orientado para outros mercados, talvez hoje não estivéssemos a falar destes valores de crescimento! Se algum aspeto positivo resultou da austeridade, este é, sem dúvida, um dos poucos a reter. E este redirecionar para a internacionalização por parte das empresas tem tido um forte impacto na sustentabilidade das contas externas. Diria assim que Costa goza de um período em que se perspetiva um desenvolvimento económico sustentado. A sustentabilidade das contas externas pela ação positiva da internacionalização das empresas aliada a um reforço do mercado interno pelas políticas do atual Governo fazem vislumbrar aspetos positivos para o futuro. No fundo, a democracia funciona, e é preciso ter cuidado com manipulações excessivas dos dados, antes como agora.
Este cuidado na interpretação dos dados é muito importante, se não queremos descurar as fragilidades características da nossa economia. As contas públicas devem continuar a evidenciar sinais de redução da dívida. Só assim será possível uma maior latitude para políticas sustentáveis e de um reforço de um Estado social que não deixe excluídos os mais frágeis. Esse é um mérito de Costa.
O caminho não se reveste de facilidades. As crises e os choques económicos existem. Nesses momentos, o cinismo convida as democracias ao populismo. Mas a história recente, da também recente democracia portuguesa, mostra uma resiliência face aos abalos eleitorais do mundo ocidental, e um funcionamento eficaz do sistema partidário, daí também estes números e este crescimento. A democracia portuguesa é jovem — embora isso seja muitas vezes apresentado como um problema —, mas a juventude pode ser uma vantagem. É preciso que este tempo seja, de facto, diferente. Os números parecem dizer que sim!
Este artigo foi originalmente publicado no jornal Público.
(a opinião aqui expressa vincula somente o autor)
José Borges Alves
Senior Research Fellow