Decorridos seis meses desde o início do ano de 2019, é cada vez com mais segurança que o Governo de António Costa se encaminha para as eleições legislativas com as contas públicas controladas. O primeiro semestre registou, em contabilidade pública, um défice de 536 milhões de euros, o que representa uma significativa melhoria de 2.117 milhões face ao período homólogo.
A melhoria apresentada advém essencialmente do crescimento da receita (7,2%), que consegue suplantar o crescimento da despesa (1,5%). Este não é um comportamento totalmente inesperado, dadas as medidas que foram sendo implementadas ao longo dos quatro anos desta legislatura. De acordo com a análise disponibilizada pelo Governo relativamente à execução das medidas do seu programa, ao ser analisada, por exemplo, a área das Finanças, observa-se que das 10 principais medidas da legislatura só apenas a décima “Exercício da Revisão de Despesa” prevê um aumento do controlo da despesa e não um aumento inevitável da mesma.
Com a divulgação dos últimos dados é possível inferir uma primeira estimativa para o défice de 2019 – apesar de ainda muito preliminar e com um longo percurso a explorar até ao final do ano, com possíveis surpresas. Caso se mantenha a trajetória de rigor orçamental e crescimento da atividade económica e do emprego, o Institute of Public Policy encontra-se mais otimista que o Governo, estimando um saldo orçamental positivo na ordem dos 0,16%, em contabilidade nacional, e excluindo o efeito dos 602 milhões de euros que melhoram o saldo, mas que não têm impacto em contabilidade nacional.
Relembre-se que a estimativa apresentada pelo Governo, tanto no Orçamento do Estado como no Programa de Estabilidade, para o ano de 2019 era um défice de 0,2%. Como é, assim, possível apresentar uma estimativa (ainda que a seis meses do final do ano) que prevê um saldo positivo?
Importa olhar para alguns desvios orçamentais desde já relevantes que permitem tal comportamento, bem como para as consequências que cada um acarreta.
Quanto aos desvios positivos, ou seja, que implicam menos despesa e/ou mais receita e, consequentemente, uma melhoria do saldo orçamental, destaca-se inequivocamente os impostos e o investimento público. Os impostos deverão apresentar um desvio de cerca de 888 milhões, alicerçados essencialmente no IVA (204 milhões) e no Imposto sobre o Tabaco (389 milhões), o que poderá representar um novo máximo histórico de carga fiscal (que ascendeu a 35,4% do PIB em 2018) dada a contínua evolução da cobrança de impostos e do peso das receitas fiscais na economia. No primeiro semestre a receita fiscal cresceu 7,6%.
É, no entanto, a “poupança” com o investimento público que mais contribui para a melhoria do saldo, com um desvio superior a mil milhões de euros. No primeiro semestre o investimento da Administração Central apresentou uma variação homóloga de -1,2%, sendo que teria agora de apresentar um crescimento de 226% para alcançar a meta estipulada. Assim, dificilmente se vê a “forte aposta no investimento público” que a presente legislatura tem publicitado, especialmente ao longo do último ano. É certo que, por vezes, mais importante do que a quantidade é a qualidade. No entanto, a situação apresentada atualmente pelos serviços públicos, pelo SNS, pelos transportes, parece sugerir que estamos perante uma falta de quantidade que põe em causa o bom funcionamento da economia.
Negativamente, ou seja, as rubricas que implicam uma despesa maior ou uma receita menor face ao orçamentado, destaca-se as despesas com pessoal e as pensões. Que as despesas com pessoal iriam sofrer um aumento ao longo de 2019 já era certo, dado a implementação das regras de descongelamento das progressões nas carreiras da função pública, o reforço do emprego público em alguns setores prioritários, a reposição das 35 horas, e o aumento do número de funcionários públicos, entre outros fatores. No entanto, esse aumento não foi – aparentemente – suficientemente acautelado, estando esta rubrica suborçamentada em cerca de 500 milhões de euros.
Já a despesa com pensões está igualmente a exercer uma pressão superior à estimada nas contas públicas, com um desvio estimado de 278 milhões de euros. Tal deve-se essencialmente aos aumentos superiores à inflação e aos aumentos extraordinários que têm ocorrido – apesar de nenhuma destas medidas ser uma “surpresa” que justifique desvio de tal ordem, uma vez que não registou um aumento inesperado e/ou substancial de pensionistas.
Por fim, destaca-se positivamente a diminuição de 293 milhões de euros da dívida não financeira dos Hospitais EPE, alcançados com recurso a regularizações extraordinárias. Atualmente a dívida fixa-se nos 480 milhões, próximo do valor apresentado em dezembro do ano passado. É importante que os Hospitais possam ter oportunidade de ter uma “ficha limpa” e não um histórico de milhões de euros de dívida para gerir. No entanto, espera-se que o objetivo de saldar esta dívida não seja um objetivo a manter apenas até às eleições, para depois se retomar a tendência história de crescimento dos pagamentos em atraso dada a ausência da aplicação de medidas de longo-prazo que, de uma forma estruturada, possam pôr um fim a este problema também ele histórico.