Está instalada uma verdadeira batalha de números nas legislativas de 2019, especialmente entre o Partido Socialista e o Partido Social Democrata. A discussão foca-se no cenário macroeconómico para 2019-2023, período durante o qual estará em vigor o Governo que se irá formar de acordo com os resultados das próximas eleições a decorrer no dia 6 de outubro. Duas coisas são certas: uma é que para se poder discutir números é preciso total transparência. A falta da mesma pode levar a comparar o que não é comparável. Um exemplo muito simples: o Partido Socialista afirma ter sido o Governo que mais aumentou o investimento público. É verdade? Depende. Depende se considerarmos o investimento público total da Administração Pública ou só o da Administração Central; depende se estivermos a considerar as Parcerias Público Privadas ou não, depende se os montantes comparados incluem as verbas provenientes do Fundo Europeu ou apenas do Orçamento do Estado, entre outros fatores. Ou seja, é necessária uma transparência plena dos números que estão a ser comparados para se ter a certeza de que não estamos a comparar alhos com bugalhos. E se esses números não estiverem publicamente disponíveis, então dificilmente poderá ser analisada a veracidade das afirmações proferidas.
A segunda é que o interesse nacional já se parece focar apenas em 2020, dando a ideia de que a execução orçamental do ano corrente está assegurada. Motivos não faltam para celebrar: ainda recentemente o INE reviu o défice de 2018 de 0,5% para 0,4% do PIB, e pela primeira vez a economia portuguesa obteve um saldo positivo no período até agosto, nomeadamente de 402 milhões de euros. Tal deve-se a um crescimento da receita de 4,6%, que compensou o crescimento da despesa (cada vez mais significativo) de 2,7%.
Nesta fase do campeonato Mário Centeno já admite que o défice deste ano fique ligeiramente abaixo dos 0,2% estipulados no Orçamento. No entanto, dados os últimos números disponíveis, o Institute of Public Policy mantém a estimativa de um saldo orçamental positivo na ordem dos 0,16%, em contabilidade nacional, excluindo o efeito dos 400 milhões de euros que melhoram o saldo, mas que não têm impacto em contabilidade nacional.
A melhoria do saldo orçamental face ao estimado deve-se, essencialmente:
- Ao desvio positivo de 1.099 milhões de euros nos impostos. Destaca-se o comportamento do IRS, que contribui com cerca de metade (550 milhões), podendo, no entanto, estar ainda influenciado pelo efeito dos reembolsos, dada a alteração dos prazos ocorridos este ano. Destaca-se ainda o desvio de 211 milhões do Imposto sobre o Tabaco – não podendo este ser justificado pelo bom desempenho da economia…
- Ao desvio positivo de 1.253 milhões de euros no investimento público. Como já foi referido, esta rubrica parece surgir como uma variável de ajustamento. Caso fosse completamente anulado este desvio, a meta do défice de 0,2% não seria cumprida. No entanto, este mês destaca-se positivamente um crescimento homólogo de 3,6%, o que não permite, ainda assim, obter uma média positiva de investimento público se considerarmos o período desde o início do ano.
- Ao desvio positivo de 570 milhões de euros das contribuições sociais, tanto ao nível da Segurança Social, como da Caixa Geral de Aposentações. Aqui o principal impulsionador é sem dúvida o crescimento do emprego. De acordo com os últimos dados divulgados pelo INE, referentes a agosto de 2019, a população empregada aumentou 54,8 mil pessoas (1,1%) em comparação com o mesmo mês de 2018.
Se a execução orçamental deste ano parece esquecida, o mesmo se pode dizer sobre a dívida não financeira dos Hospitais EPE. Este mês foi pautado por um novo aumento mensal, na ordem dos 37 milhões de euros, embora se tenha registado uma diminuição homóloga de 186 milhões – assente em consecutivas injeções de capital que têm sido feitas este ano. A criação de uma estratégia integrada de resolução a longo prazo da dívida e dos pagamentos em atraso dos Hospitais parece não ser uma preocupação nem do atual Governo, nem de nenhum dos partidos candidatos às legislativas, tal como aponta Pedro Pita Barros em https://momentoseconomicos.wordpress.com/: “Constata-se que há vários desafios que não têm resposta (pelo menos, clara) nos programas dos partidos”, sendo o financiamento do SNS e dívidas um desses exemplos.