Análise da execução orçamental – 2º trimestre 2020

Findo o primeiro semestre de 2020, é possível observar o efeito devastador que a pandemia da covid-19 representa não só para a saúde, como também para a economia. Uma correta avaliação das políticas públicas e medidas de mitigação é essencial, almejando-se uma afetação prudente e eficiente dos recursos escassos. Contas públicas “saudáveis” nunca foram tão importantes.

O Orçamento Suplementar apresentado em junho confirmou o “abanão” que a economia portuguesa vai registar este ano: de uma estimativa de um saldo orçamental positivo de 0,2% do PIB para 2020, preparamo-nos para uma quebra abrupta para um défice de 6,3% (embora se reconheça a dificuldade acrescida em executar previsões, dado o ainda atual clima de incerteza). É necessário recuar ao ano de 2014 para se observar um défice superior ao atualmente estimado (e apenas devido ao impacto que o BES representou).

Por ora, a capacidade de financiamento das Administrações Públicas, em contabilidade pública, agravou-se em 6.122 milhões de euros, dado o primeiro semestre do ano ter registado com um défice de 6.776 milhões.

Os efeitos da pandemia da covid-19 sentem-se simultaneamente no lado da receita e da despesa, tornando praticamente impossível manter o clima de otimismo económico registado no início do ano – com ou sem ‘Ronaldo das finanças’. Dada a panóplia de setores afetados e à beira de colapso (e a ausência de recursos financeiros ilimitados), o atual Ministro das Finanças, João Leão, terá de demonstrar porque é que a economia é considerada uma ciência da escolha, escolha entre as diferentes opções possíveis com restrições internas e externas.

Do lado da receita, os efeitos diretos prendem-se com a redução da receita fiscal e contributiva. A arrecadação de IVA é a principal preocupação, dada a prorrogação do seu pagamento e a forte diminuição da atividade económica com a ordem de recolhimento obrigatório. No primeiro trimestre obteve-se uma variação homóloga média de 2,5%, em linha com o registado no ano passado e com a tendência esperada para este ano; no segundo trimestre esse crescimento foi totalmente anulado, registando-se uma diminuição homóloga média de 7,1%. Tal como esperado, os impostos IRS e IRC ainda não foram particularmente afetados.

Do lado contributivo, destaca-se como principal motivo nocivo as medidas associadas ao regime de layoff, ao qual já aderiram cerca de 150 mil empresas, dada a isenção de pagamento de contribuições na parte da entidade empregadora referente à totalidade das remunerações pagas aos trabalhadores abrangidos pelo apoio. Como efeito temporário destaca-se ainda as medidas de carácter extraordinário que permitem a alguns trabalhadores adiarem parte das suas obrigações contributivas. No mês de junho registou-se uma diminuição homóloga das contribuições na ordem dos 2,3%, o que contrasta fortemente com o crescimento superior a 8% ao longo de todo o ano transato.

Do lado da despesa, destaca-se novamente o impacto das medidas associadas ao regime de layoff, dado a Segurança Social transferir uma parcela respetiva da compensação retributiva para a empresa, bem como os restantes apoios suportados por esta entidade, que conjuntamente já ascendem a 875,8 milhões de euros. Não obstante o apoio permitido pelo layoff, como efeito direto de um mercado de trabalho abalado destaca-se ainda o aumento homólogo das prestações de desemprego (que estavam em queda há mais de um ano), nomeadamente de 18,7% no final do primeiro semestre.

A inevitável aquisição de material médico para o combate à pandemia (+270 milhões de euros) e o reforço da contratação de profissionais para o SNS têm igualmente colocado uma pressão adicional na despesa pública (já pressionada devido ao efeito na íntegra do descongelamento das carreiras e atualização salarial).

No setor da saúde destaca-se positivamente o controlo da dívida não financeira com os Hospitais EPE. Apesar de ser sem sombra de dúvidas uma oportunidade indesejável, esta é também uma oportunidade única de corrigir alguns aspetos que se vinham a agravar nos últimos anos, como a suborçamentação do SNS e a acumulação dos pagamentos em atraso dos Hospitais EPE. No final do primeiro semestre de 2020, estes pagamentos registaram uma diminuição homóloga de 286 milhões de euros. Apesar de se ter registado um aumento mensal de 67 milhões, não aparenta haver um total descontrolo desta rubrica, o que é essencial para permitir o bom funcionamento dos Hospitais EPE e dos seus fornecedores (especialmente farmacêuticas) nesta altura em que os desafios associados às suas atividades são reforçados, devendo ser aplicado um escrutínio ainda mais apertado e atempado.